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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cavaleiro das palavras

As palavras me carregam
Me arrastam pelo chão
Enfio-lhes
As esporam
Elas relincham
E choram
Esguincham rebeldia
Mas comem na minha mão
As palavras me dão coices
Desembestam pela noite
Fazem poeira no mundo
Sou fazendeiro de palavras
Eu as ferro com minha língua
E as espalho por aí
Palavras escolhidas

As palavras expressam mais que a acepção literal. Elas traduzem o contexto em que são aplicadas e em que foram concebidas. A forma como se aplica a expressão às vezes é muito mais expressiva que a palavra em si.

As palavras estão impregnadas de uma musicalidade historicamente construída. Os fonemas e o rítimo das prunúncias não são aleatórios. Essa musicalidade situa o contexto histórico cultural das expressões.

O corpo é muito mais que um instrumento comunicacional. Ele é um grande comunicador em si. Evidencia subjetividades poucas vezes perceptíveis a olho nu.

Cada gesto é repleto de uma carga cultural arraigada e assimilada inconscientemente mas, extremamente eficaz na revelação dos verdadeiros sentidos da alma humana.

Manual do escrevedor

Escrevemos para desvalorizar as paredes - as algemas, as jaulas.... As celas especiais.
A escrita é uma atividade solitária - os personagens são nossa família, estão vivos dentro de nós a nos dizer coisas. Escrever é meu quilombo: me liberta das senzalas da minha
alma!

O homem que deixou de existir


Veio lá dos cafundós. Das gargantas do seringal fim do mundo. Morava na colocação inferno da Pedra. Nunca tinha vindo pa rua . Nunca tinha visto um carro. Uma mulher. Uma cidade . Fora criado pelo pai, um nordestino foragido que roubara o próprio filho e fugira para a amazonia. Era considerado bicho do mato. Cabelos grandes, dentes enormes, venta de nego: estufada. Tinha uma lapa de pé que nunca coubera em sapato algum. Não tinha medo de quase nada . Só temia os castigos de Deus, a ferradas das pico de jaca e o esturro das onças. Herdara do pai a coragem de enfrentar as agruras da vida. Era um caboco resolvido. Não titubeava. Ja matara dois, de faca, só porque os infelizes ousaram não honrar as calças que vestiam. A creditava que a palavra de um homem é um tiro. Estava preso, acorrentado ao deserto de sua alma. Seu coração estava enterrado debaixo de uma sapupema qualquer. Nao tinha para onde ir. Judeu errante. Jumento sem mãe. Fazia borracha feito um condenado. Na verdade condenara a si mesmo aquela sina de fazedor de borrachas. Fazia da dor a sua estratégia secreta de abastecer a sua guerra interna e derrotar assim seus demônios invisíveis. Era quase um aborígene. Um dia não apareceu no barracão. Em vinte anos de seringa isso nunca acontecera. O episódio preocupou os patrões. Não que ligassem para ele. Queriam mais e que se danasse. De preferencia que se estrupiasse de fazer borracha para manter a furia das casas aviadoras e os bolsos do seringalista. Pois quando o comboieiro chegou no local deparou com o miserável estronchado dentro de uma rede. Pôs o coitado dentro duma rede e o levou até a margem . O patrão interessado em que seu melhor seringueiro voltasse a lida voltasse ao corte o mandou para a rua mais que depressa! Desceu no primeiro batelão . Fez a viagem todo entanguido, gemendo em cima de um carrego de castanha. Chegando no povoado o levaram ao único farmacêutico que tinha . A chegada calhou de ser um pouquinho após o almoço e o mequetrefe, que tirava a sesta, se recusou atender o moribundo alegando ter comido carne de porco e não poder lavar as mãos temendo contrair uma congestão. Vindo de tão longe o infeliz agonizou ali mesmo defronte uma `estauta` de São Sebastião . Dando o ultimo suspiro o acompanhante ascendeu o esqueiro a querosene e pós na mão dele uma vela. Uma lagrima rolou do seu olho como pingo de parafina desce da da vela.