
O homem que deixou de existir
Veio lá dos cafundós. Das gargantas do seringal fim do mundo. Morava na colocação inferno da Pedra. Nunca tinha vindo pa rua . Nunca tinha visto um carro. Uma mulher. Uma cidade . Fora criado pelo pai, um nordestino foragido que roubara o próprio filho e fugira para a amazonia. Era considerado bicho do mato. Cabelos grandes, dentes enormes, venta de nego: estufada. Tinha uma lapa de pé que nunca coubera em sapato algum. Não tinha medo de quase nada . Só temia os castigos de Deus, a ferradas das pico de jaca e o esturro das onças. Herdara do pai a coragem de enfrentar as agruras da vida. Era um caboco resolvido. Não titubeava. Ja matara dois, de faca, só porque os infelizes ousaram não honrar as calças que vestiam. A creditava que a palavra de um homem é um tiro. Estava preso, acorrentado ao deserto de sua alma. Seu coração estava enterrado debaixo de uma sapupema qualquer. Nao tinha para onde ir. Judeu errante. Jumento sem mãe. Fazia borracha feito um condenado. Na verdade condenara a si mesmo aquela sina de fazedor de borrachas. Fazia da dor a sua estratégia secreta de abastecer a sua guerra interna e derrotar assim seus demônios invisíveis. Era quase um aborígene. Um dia não apareceu no barracão. Em vinte anos de seringa isso nunca acontecera. O episódio preocupou os patrões. Não que ligassem para ele. Queriam mais e que se danasse. De preferencia que se estrupiasse de fazer borracha para manter a furia das casas aviadoras e os bolsos do seringalista. Pois quando o comboieiro chegou no local deparou com o miserável estronchado dentro de uma rede. Pôs o coitado dentro duma rede e o levou até a margem . O patrão interessado em que seu melhor seringueiro voltasse a lida voltasse ao corte o mandou para a rua mais que depressa! Desceu no primeiro batelão . Fez a viagem todo entanguido, gemendo em cima de um carrego de castanha. Chegando no povoado o levaram ao único farmacêutico que tinha . A chegada calhou de ser um pouquinho após o almoço e o mequetrefe, que tirava a sesta, se recusou atender o moribundo alegando ter comido carne de porco e não poder lavar as mãos temendo contrair uma congestão. Vindo de tão longe o infeliz agonizou ali mesmo defronte uma `estauta` de São Sebastião . Dando o ultimo suspiro o acompanhante ascendeu o esqueiro a querosene e pós na mão dele uma vela. Uma lagrima rolou do seu olho como pingo de parafina desce da da vela.